Cerca de 100 pessoas presas e torturadas pelo regime
militar receberam nesta sexta-feira um pedido de desculpa formal por parte do
Estado do Rio
André Naddeo
Ex-preso político, Nelson Nahon aponta para a foto de uma ex-colega de faculdade, desaparecida na ditadura Foto: André Naddeo / Terra |
Um pedido de desculpas formal que não pode ser
"da boca para fora". Este é o sentimento dos cerca de 100 ex-presos
políticos da ditadura, que foram homenageados no início da
tarde desta sexta-feira em cerimônia na Assembleia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro (Alerj). A solenidade faz parte de uma ação do Estado fluminense a
fim de reparar, pelo menos em parte, os danos sofridos por estudantes e
militantes da esquerda durante o regime militar.
"Isso para a gente, diante de tudo o que
passamos, é um valor simbólico. O que precisamos é que isso não seja uma
desculpa da boca para fora. É preciso medidas mais efetivas", afirmou a
psicóloga e ex-presa política Vera Vital Brasil, uma das 790 pessoas que
receberam a indenização de R$ 20 mil do Estado por terem comprovado que
sofreram qualquer tipo de ameaça e tortura, física e/ou psicológoca, por parte
dos militares ao longo do regime (1964 – 1985).
A Comissão Especial de Reparação (CER) foi
instaurada em abril de 2004 e, ao longo de três etapas, indeferiu o pedido de
186 pessoas que não puderam comprovar, por fotos, jornais de época ou qualquer
outro tipo de documentação, que foram vítimas da repressão da ditadura.
"Estamos aqui para reparar um erro do Estado, concluindo um ciclo para
pedir formalmente desculpas", destacou o secretário estadual de
Assistência Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira.
Ele anunciou nesta sexta-feira também que a CER
terá uma quarta etapa a partir do início do ano que vem e os ex-presos que não
puderam fazer parte dos primeiros processos terão um prazo de 180 dias para,
junto à secretaria estadual de Direitos Humanos, pedir este reparo
indenizatório.
Vera Vital Brasil teve que viver seis anos no Chile, exilada
Foto: André Naddeo / Terra
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"Muita gente não conseguiu ainda ser
indenizada, é importante que o Estado dê mais tempo para essas pessoas",
destacou ainda Vera, que era estudante de farmácia pela UFRJ, em 1969, quando
foi presa, levada para o Destacamento de Operações de Informações do
Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) e torturada pelos membros do
regime. Detida por três meses, fugiu para o Chile, onde permaneceu exilada por
seis longos anos.
"Quem passou por lá (Doi-Codi), sabe como
foi. É preciso que se reative a memória das pessoas e se crie uma polícia e um
aparato de segurança pública que seja banhada em direitos humanos. É
inaceitável que até hoje, casos como o do (pedreiro e morador da Rocinha)
Amarildo continue ocorrendo", disse ainda.
Quadro dos desaparecidos
Nelson Nahon, médico, também esteve na cerimônia com um quadro dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. Ele aponta três colegas da UniRio, todos estudantes de Medicina, que por serem militantes do PcdoB, assim como Nahon, desapareceram e jamais tiveram o seu paradeiro conhecido.
"O mais importante é que seja algo que a
gente nunca mais viva, nunca mais passe por isso. É preciso avançar. Como a
amiga disse, não pode ser algo da boca para fora", disse, entre lágrimas,
ao lembrar as torturas que sofreu nos porões do Doi-Codi e, posteriormente, no
Departamento de Ordem Política Social (Dops). Foram longos oito meses e 13
dias. "Esse é o único número exato que eu lembro até hoje. Não dá para
esquecer."