terça-feira, 31 de julho de 2012

Encontro com a Comissão da Verdade

 

Nesta segunda-feira, 30 de julho de 2012, o ColetivoRJ Memória, Verdade e Justiça esteve em no Encontro da Comissão Nacional da Verdade com grupos da Sociedade Civil, em Brasília. Na ocasião, comitês e coletivos estaduais apresentaram reivindicações aos integrantes da CNV e demandaram informações precisas sobre metodologias, canais de comunicação e participação da sociedade nos trabalhos da CNV, entre muitos outros pontos.

Em breve, divulgaremos mais detalhadamente os pontos tratados no encontro, bem como o posicionamento transmitido pela CNV.

 


Notícia via Consulta popular:

Na manhã ensolarada deste domingo (29) no Rio de Janeiro, partidos políticos, entidades de direitos humanos, setores da juventude e ex-presos políticos se uniram para repudiar um dos momentos mais sombrios da história brasileira, a ditadura civil militar (1964-1985). Marchando pela orla de Copacabana até o Leme, cerca de trezentas pessoas esculacharam um monumento que presta homenagem ao primeiro ditador deste período, o marechal Castelo Branco (1964-1967).
 Ao chegarem até a estátua do ditador Castelo Branco, na praça do Leme, foi realizada uma mística que relembrou todos os militantes assassinados no período. A estátua  também ganhou uma faixa com os dizeres "Ditador do Brasil 1964" e, no final, tintas vermelhas  foram lançadas, lembrando o sangue derramado das vítimas. Intercalado por poemas, várias entidades e familiares de mortos e desaparecidos  cobraram punição aos torturadores do regime militar. Também houve cobranças para que a Comissão Nacional da Verdade realmente apure todos os crimes da ditadura.
Este é o quarto esculacho realizado no Rio e o primeiro que reúne pessoas para contestar a homenagem a uma figura política que participou ativamente do golpe de 64. “Não podemos permitir que continuemos a homenagear com nomes de praças, monumentos, ruas, lugares públicos aqueles que oprimiram, massacraram e torturaram o povo brasileiro”, denunciaram os articuladores do ato. Eles pedem a extinção de nomes de torturadores ou representantes da ditadura em qualquer monumento público.
Durante o seu mandato, Castelo Branco aboliu os treze partidos políticos existentes no Brasil, promulgou vários decretos-lei e quatro atos institucionais. É responsável pelo fechamento de centenas de sindicatos, pela expulsão de quase seis mil militares das Forças Armadas e cassação de parlamentares eleitos democraticamente.
A organização do ato foi feita pela Articulação Estadual pela Memória, Verdade e Justiça do Rio de Janeiro composta pelo Coletivo RJ, Comitê pela Memória, Verdade e Justiça de Niterói, Consulta Popular, Levante Popular da Juventude, Grupo Tortura Nunca Mais, MST, Juventude do PT, PCdoB, UNE e Sindicato Estadual dos Professores de Educação (SEPE).

quinta-feira, 19 de julho de 2012

NOTA PÚBLICA

Rio de Janeiro, julho de 2012.
NOTA PÚBLICA
COLETIVO RJ Memória, Verdade e Justiça

O Coletivo RJ Memoria, Verdade e Justiça vem manifestar seu repúdio a dois incidentes recentes que foram insuficientemente noticiados na semana passada.

O primeiro se refere à ameaça por telefone dirigida ao Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, no último dia 11/07/2012. Desde o fim da ditadura civil-militar no Brasil, o GTNM/RJ é reconhecido como ator fundamental na luta pela memória, pela verdade e pela justiça das arbitrariedades perpetradas pelo Estado durante o regime repressor. Acreditamos que ações de intimidação desse teor – “nós vamos voltar– simbolizam a postura violenta de grupos conservadores que perseguem constantemente aqueles que lutam pela Democracia e pelos Direitos Humanos, evidenciando que a impunidade que resulta do não enfrentamento às violações cometidas no passado recente fomenta esse tipo de prática .

 Com o mesmo sentimento de indignação, repudiamos o que foi noticiado no jornal O Globo de 12/07/2012, no qual os soldados do quartel, no bairro da Tijuca onde funcionou o DOI-CODI durante a ditadura, marchavam cantando coros com alusões explicitas a violência e a tortura. Cena já corriqueira e cotidiana, esta postura das forças de segurança ilustram um processo inacabado de democratização em nosso país, após décadas de repressão política e terror de Estado.

São incidentes independentes, mas extremamente relacionados em suas simbologias: atingem a todos que lutam pela consolidação democrática e pela justiça quanto às violações de Direitos Humanos perpetradas pelo Estado, por meio de seus agentes públicos no passado e no presente.

É neste sentido que o COLETIVO RJ Memória, Verdade e Justiça exige a apuração dos crimes da ditadura civil-militar e a responsabilização de seus autores, cúmplices e beneficiários – E por meio desta nota, se solidariza com o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, em respeito a sua histórica e atual militância.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Para salvar o passado do esquecimento





O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer. Walter Benjamin


É fato público, notório e vergonhoso que o Brasil é o país mais atrasado do Cone Sul em matéria de direitos humanos. Enquanto países vizinhos, como Argentina, Chile e Uruguai, promoveram ações de investigação e condenação de agentes do Estado que participaram de ações repressivas durante seus governos militares, no Brasil sequer houve a abertura dos arquivos da ditadura. Recém tivemos a aprovação de uma Comissão da Verdade, mas que, ainda, tem deixado a desejar no que tange a participação da sociedade civil em seu processo de criação e, agora, de funcionamento.
No entanto, militantes, familiares, movimentos e organizações que fazem esse debate seguem insistindo na luta de contar uma história que vem sendo silenciada: há mais de um ano, no dia 01 de dezembro de 2010, um importante ator dessa luta, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, promoveu um ato-evento em comemoração dos 25 de lançamento do livro Brasil: Nunca Mais naquela cidade. Na ocasião, o CDDH - que tem como um dos seus fundadores o notório teólogo Leonardo Boff e mais de 32 anos de existência como organização - entregou ao prefeito da cidade, Paulo Mustrangi, uma moção para a desapropriação da Casa da Morte, localizada no centro de Petrópolis e considerada por alguns historiadores o pior porão montado pelo regime militar para as práticas de tortura, assassinato e ocultamento de cadáveres dos opositores do regime. A única testemunha sobrevivente de que se tem notícia é Inês Etienne Romeu, que deu um depoimento à OAB/RJ em 1979 falando da casa - também conhecida como "Casa dos Horrores", "Casa da Tortura" e "Codão", de onde ninguém parecia conseguir sair vivo. Também o psiquiatra Amílcar Lobo citou a existência do centro clandestino em seu livro de memórias "A Hora do Lobo, a Hora do Carneiro". 
Transformando o antigo espaço no Centro de Memória, Verdade e Justiça, o desejo é operar a imprescindível tarefa ético-política de salvar o passado do esquecimento, edificando o presente e não acatando a abordagem de um "futuro melhor" preconizada pela famigerada Doutrina de Segurança Nacional que justificava as práticas repressivas do Estado.
Para fortalecer as pressões pela desapropriação da Casa da Morte, foram lançados um abaixo-assinado online e uma campanha para a transformação do local em Memorial. O alvo da reivindicação deixou de ser tanto a prefeitura, estando também endereçado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que tem competência para tanto. Diversos movimentos e organizações apoiaram a iniciativa, tais como o Grupo Tortuta Nunca Mais/RJ, a OAB/RJ, o Instituto Frei Tito de Alencar e, claro, este Coletivo, além de militantes, familiares e outras pessoas que também querem a referida casa como espaço de mais vida e resistência.
Mais de um ano se passou, uma série de debates públicos foram realizados em torno da temática da abertura dos arquivos da ditadura e, não sem dificuldade, a mobilização da sociedade e imprensa locais foram acontecendo - a ponto do atual proprietário da casa se declarar contra a tortura e disponível para uma aproximação.

A campanha para transformação desse nefasto centro clandestino de tortura e assassinatos em lugar de Memória e Resistência permanece, e é parte da necessária tarefa que temos como sociedade civil de lembrar para que outro presente seja possível.

Assine a petição online aqui:

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Participação na Cúpula dos Povos 2012


Em continuação da nossa Roda de Conversa o ColetivoRJ levou as questões relatadas para as 3 Plenárias de Convergência, e as 3 Assembleias - atividades da Cúpula dos Povos 2012.

A primeira plenária, no dia 17/6,  buscava listar as causas da crise estrutural do mundo contemporâneo (social, financeira, ambiental, econômica, política, etc.). O ColetivoRJ apresentou o tema da Verdade, memória e Justiça como uma das causas, destacando: regimes autoritários e ditatoriais, processos de democratização incompletos, a implantação de um modelo sociopolítico e projeto de sociedade que desvaloriza a vida, entre outros elementos.

A segunda plenária, no mesmo dia, buscava listar e apresentar soluções reais para enfrentar os problemas debatidos anteriormente e a crise estrutural. Novamente, o tema MVJ foi apresentado, especialmente na importância de se garantir uma efetiva Justiça de Transição, com seus componentes de investigação, reparação e responsabilização. A Comissão Nacional da Verdade foi indicada como instrumento importante, se conduzida com abertura, transparência e participação da sociedade - não só no que se refere a transições democráticas, mas também para tornarmos públicas outras violações conjunturais: como no caso do Canadá em que uma comissão da verdade teve como objeto as violações a povos indígenas.

Na terceira plenária, no dia 18/6, foram discutodas propostas de campanhas articuladas entre os movimentos sociais. Novamente, temas reativos a MVJ foram incluídos, no GT sobre democracia e repressão das movimentos sociais.

A partir destas 3 plenárias, foram realizadas 3 Assembléias gerais de todos os movimentos participantes da Cúpula, para unir as discussões em um documento único. O ColetivoRJ acompanhou todas as etapas, visando garantir a inclusão da MVJ no documento.

O resultado do documento final da Cúpula dos Povos é bastante abrangente, atingindo diversas temáticas de forma diluída (veja aqui). Ainda é um desafio, no entanto, a difusão das temáticas da MVJ nos debates públicos.

Consideramos que a participação na Cúpula dos Povos 2012, foi uma experiência importante para o ColetivoRJ. O espaço que a Cúpula promoveu uma articulação importante com outros movimentos e uma aproximação valiosa como outras frentes da luta.

ColetivoRJ na Cúpula dos Povos 2012 : Roda da Conversa


O ColetivoRJ acompanhou todas as etapas da Cúpula dos Povos (evento organizado pela sociedade civil em paralelo do Rio +20), visando garantir a inclusão das temáticas relacionadas a MVJ nas discussões desenvolvidas.

No dia 15 de junho de 2012 o Coletivo RJ realizou uma Roda de Conversa, “Conversando Memórias passadas e presentes: discutindo verdade e justiça”, como uma das várias atividades organizadas por movimentos sociais.

Nesta atividade discutimos as temáticas do eixo “memória, verdade e justiça”, relacionando-o aos propósitos da Cúpula: evidenciar as verdadeiras causas das crises sistêmicas da sociedade contemporânea (social, econômica, política, ambiental, etc.), bem como denunciar as falsas soluções que vem sendo adotadas pelos Estados.

Assim, debatemos tema que consideramos ser, também uma das causas de nossa crise como meio ambiente, economia, da repressão durante a ditadura militar e como estas mesmas questões continuam até hoje.  

Temos um passado que não passou. Um passado que não rompeu com a lógica da impunidade instalada e reafirmada recentemente pela decisão do STF sobre a Lei de Anistia de 1979, que serve até hoje para proteger torturadores. Um passado que tem no presente a chaga da multiplicação de ações violentas por parte de agentes de Estado. Como fazer frente a esta lógica?” do Documento Base.
 
A atividade foi um sucesso, com aproximadamente 60 pessoas presentes, entre militantes, estudantes, ex-presos políticos, familiares, professores, artistas, psicólogos, gestores, advogados, entre outros.

A roda de conversa foi conduzida a partir de um documento de base (para acessá-lo clique aqui), com amplo espaço para falas dos participantes.

Vários pontos e experiências importantes foram levantados durante a roda de conversa. Destacam-se alguns:

Importância do testemunho:

Existem muitas pessoas dispostas a falar sobre suas vivências e experiências durante a repressão. Seus testemunhos são fundamentais no processo da Comissão Nacional da Verdade. Além disso, é fundamental que estes mesmos testemunhos sejam transcritas para não ficar apenas na oralidade.

Mais do que reparação financeira à vítimas da repressão, deve-se privilegiar a dimensão da não-repetição: que se faça justiça para que nunca mais aconteça.

A questão da mídia:

O grande desafio de furar o bloqueio de informação da grande mídia - para evitar que a opinião pública desconheça o passado recente.

É conhecido o envolvimento da mídia com a ditadura civil-militar. Atualmente, enfrenta-se o desafio de comprometimento dos grandes meios de comunicação com a difusão da verdade sobre as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro, com apoio de setores privados e da própria mídia.

Passado e Presente:

Não se pode tratar estas questões como algo do passado. Ainda hoje, são muitos os que sofrem os reflexos de um passado de impunidades. O Caso da Usina de Cambahyba é emblemático: envolveu e ainda envolve articulações existentes entre atores do poder público e setor privado; esquadrão da morte; o tráfico de armas; trabalho escravo; repressão do movimento camponês e criminalização de movimentos sociais; entre outros.

A falta de informações sobre o passado repercute até hoje. As violações envolvidas nas construções da Transamazônica, da Manaus-Boa Vista, da Ponte Rio-Niterói (em que muitos trabalhadores morreram), está diretamente relacionada com as violações atuais em decorrências das obras para os mega-eventos como, por exemplo, as em São João da Barra e Porto do Açu.

Relaciona-se à ditadura, uma série de questões atuais: a violência policial; a figura do Auto de Resistência; a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais; o recolhimento compulsório dos moradores de rua; entre muitas outras.

Espaços de Memória

Preocupação com a criação de Centros de Memória, para que não esqueça o que se passou. Há grandes demandas pela criação de memoriais, especialmente no prédio do DOPS no centro do Rio de Janeiro e a Casa da Morte em Petrópolis/RJ – cenários de muita violência e muitas mortes.

Justiça! 

É fundamental que se esclareça o papel do próprio Judiciário durante a época e que se questione sua postura atual. O judiciário brasileiro é extremamente conservador e precisa ser democratizado.

É sintomática a recusa do judiciário de investigar as violações perpetradas durante a ditadura; de dar cumprimento à decisão da Corte Interamericana; de rever sua interpretação da Lei de Anistia; etc. O papel do Judiciário é de realização da JUSTIÇA.

As diversas questões discutidas foram registradas em Relato, que pode ser acessado aqui

CÚPULA DOS POVOS - 2012 DOCUMENTO-BASE para Discussões na Roda de Conversa


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Conversando Memórias passadas e presentes: discutindo verdade e justiça.

A América Latina, na segunda metade do século XX, vivenciou uma série de golpes de Estado, nos quais governos autoritários e violentos implementaram seu modelo político-econômico de sociedade e praticaram perseguições, prisões arbitrárias, torturas, banimentos (e exílios), execuções sumárias e desaparecimentos forçados como forma de implantar seu projeto e de combater/eliminar os movimentos de resistência.

Em nosso país as mais variadas instituições foram profundamente atingidas por esta nova ordem de gestão do Estado, que se impôs a ferro e fogo com apoio da mídia e de outros setores privados para golpear a efervescência política que emergia dos movimentos por reformas sociais de base. Esse projeto de sociedade, que foi desenvolvido ao longo de mais de vinte anos, também foi marcado por metas desenvolvimentistas que desvalorizavam o meio ambiente e sacrificaram a vida de trabalhadores da cidade e do campo e de povos indígenas.

Foram anos de forte repressão política, de implantação de mecanismos eficazes de dominação, que repercutiram no conjunto da vida social, atingindo as mais variadas formas de vida em sociedade: os modos de agir, de pensar, de perceber o mundo. Estabeleceu-se, assim, no Brasil e na América Latina, um projeto
excludente, injusto e autoritário.

No caso brasileiro, as violações de direitos humanos que marcaram a ditadura civil-militar (de 1964 a 1988) compuseram um trágico quadro: quase 500 mortos e desaparecidos políticos; centenas de camponeses (mais de 400) assassinados, que ainda não são considerados vitimas oficiais do regime; inúmeros militantes assassinados e enterrados como indigentes com nome falso; 50.000 pessoas detidas apenas nos primeiros meses da ditadura; milhares de torturados e de trabalhadores demitidos/cassados (entre esses 6.600 militares punidos); centenas de familiares e amigos de militantes presos; centenas de estudantes expulsos da universidade; centenas de sindicatos fechados; populações indígenas dizimadas (waimiri-atroari, entre outras).E toda a violência foi acompanhada por uma estratégia oficial de silenciamento em torno de todas as violações durante décadas.

Naquele período (décadas de 70 e 80 do século passado), foi possível, por exemplo, um delegado – conhecido como integrante ativo do Esquadrão da Morte - estar vinculado ao tráfico de armas, fornece-las a um usineiro – por acaso vice-governador do Estado do Rio de Janeiro – para reprimir à força movimentos camponeses pela terra na sua região. Ao mesmo tempo, este mesmo delegado foi „cooptado‟ por oficiais do Exército Brasileiro para executar opositores políticos, incinerando-os (depois de torturados e executados) nos fornos da referida Usina, de propriedade do vice-governador. Este foi um caso concreto de articulação entre o poder do Estado exercido por um vice-governador, um delegado matador confesso, oficiais do Exército que combatiam insurgentes em prisões clandestinas acobertadas pelo Estado e de traficantes de armas.

E quando é que a sociedade ficou sabendo dessa “história dos porões”? Há poucos meses (2012), quatro décadas depois! Tudo isso ainda repercute, hoje, numa sociedade violenta e criminalizadora dos movimentos sociais. É possível que exista uma relação direta entre o que ocorreu naquele período e a permanência de praticas violentas contra os atuais “inimigos internos”? A violência policial e militar de hoje não seria, em parte, produto do aparato militar construído nesse passado recente?

Da mesma forma, a desigualdade estrutural e projetos e metas político-econômicas ainda submetem a vida da população empobrecida e o meio ambiente a interesses do grande capital. Sendo assim, estas também são questões do presente: a violência de Estado se mantém como uma prática institucionalizada e atinge amplos segmentos da população brasileira, com a perpetuação de violações dos mesmos direitos. São estas práticas admissíveis em uma sociedade democrática?
Um instrumento definido internacionalmente, conhecido como Justiça de Transição, aponta medidas de reordenação social política e jurídica para fazer frente aos efeitos daquele nefasto período, com o objetivo de romper com os modos que predominaram ao longo dos períodos das ditaduras. Dentre elas a necessidade da construção de MEMÓRIA sobre o período, de VERDADE para o esclarecimento público do que ocorreu, e de JUSTIÇA para identificação de responsabilidades nos crimes contra humanidade.
Temos um passado que não passou. Um passado que não rompeu com a lógica da impunidade instalada e reafirmada recentemente pela decisão do STF sobre a Lei de Anistia de 1979, que serve até hoje para proteger torturadores. Um passado que tem no presente a chaga da multiplicação de ações violentas por parte de agentes de Estado. Como fazer frente a esta lógica?

Para que se avance no processo de democratização, é responsabilidade do Estado brasileiro esclarecer os crimes contra a humanidade e fazer justiça, para que a sociedade possa ter a expectativa de um outro futuro. A Comissão Nacional da Verdade, como uma etapa importante da luta contra a violência de Estado, poderá vir a ser um instrumento relevante para estes esclarecimentos, desde que possa acolher demandas de participação da sociedade civil.

QUESTÕES A SEREM LEVANTADAS:
A – Sobre a cultura da violência de Estado:
1) Se aquelas violações de Estado tivessem sido esclarecidas;
2) Se seus autores tivessem sido identificados, investigados e responsabilizados;
3) Se as vítimas e seus familiares tivessem sido integralmente reparados;
4) Se políticas garantidoras da não-repetição dessas violações tivessem sido adotadas (exemplos: construção de Museus e Memoriais sobre as lutas de resistência)... teríamos hoje – ainda - uma sociedade marcada pela violência de Estado?
B – O que nossos vizinhos latinoamericanos estão fazendo para lidar com essas questões?
C – O que tiveram em comum as construções da Rodovia Transamazônica, da Rodovia Manaus-Boa Vista e da
Ponte Rio-Niterói? Ou qual a relação de metas de produção petrolífera daquele período, por exemplo, e os
grandes projetos de produção de energia e gás de hoje?
D – O que ocorre hoje na Usina de Cambahyba (Campos de Goytacazes), Região Norte do Estado do RJ? O que permanece daquele tempo?
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Movimentos e organizações proponentes deste debate:

Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Distrito Federal
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará
Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça
Comitê Santamariense de Direito à Memória e à Verdade (RS)
Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão da ABI
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ)
Associação Nacional dos Aposentados Políticos e Pensionistas 
(ANAPAP)Associação dos Amigos do Memorial da Anistia Politica (MG)Casa da América Latina
Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH - Petrópolis)
Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ)
Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRP-RJ)
Equipe Clínico Política (RJ)
Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro
Instituto de Estudos da Religião (ISER)
Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (NEPP- DH UFRJ)Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro
SINPRO - Sindicato dos Professores do Município do RJ e Região
UMNA - Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia

Relato da Roda da Conversa - Conversando Memorias passadas e presentes: discutindo verdade e justiça


15 de Junho 2012 – Cúpula dos Povos

Presentes: Começo – +/-30 pessoas presentes, quase 18h – 50 pessoas.

Apresentação de Paulo Cesar: leu o texto-base.

Geraldo e Noelle compuseram a mesa. Fernanda, Amy e Beka – Relatoria.


Roda de Conversa

Pontos levantados:
-          Importância das testemunhas – prisão era clandestinas, tortura por busca de informação se dava em processos curtos e rápidos, há hoje pessoas que estão dispostas a falar.
-          A importância das testemunhas na criação da memória. Testemunho não pode ficar na historia oral. A memória tem que ser escrita e transcrita, e não pode ficar apenas na oralidade. Têm que ser escrita para ser incluídos nos currículos escolares, espaços, arquivos, universidades.
-          Importância da publicidade dos relatos sobre o que aconteceu, sobre a verdade.
-          Importância da reparação dos danos e da dimensão de não repetição - que se faça justiça para que aquilo nunca mais aconteça.
-          O grande desafio de furar o bloquei de informação da grande mídia - para evitar que a opinião pública desconheça o passado recente.
-          O envolvimento da mídia na ditadura civil-militar, e agora os grandes meios de comunicação estão descomprometidos com isso.
-          Importância de se criarem CV – tal como o Sindicato dos Jornalistas criou.
-          Importância de negar a acusação de revanchismo e afirmar o conhecimento da verdade.
-          A ligação direta entre o meio ambiente e a Memória, Justiça e Verdade.
-          Atenção para o fato de que há muitos temas que relacionam o passado e presente - exemplo de Cambahyba, que envolve articulações existentes entre, por exemplo, atores do poder publico, esquadrão da morte, o tráfico de armas, escravidão, repressão do movimento camponês etc. A desapropriação agrária ainda existe, e existia durante a ditadura.
-          Ha muitos exemplos de conexões também no presente como no Rio de Janeiro com os mega-eventos, São João da Barra – por conta de um complexo de Eike Batista em que famílias foram desalojadas depois de morarem lá por décadas, como a situação atual no Mato Grosso do Sul.
-          Também algumas falas destacam as políticas publicas da cidade atualmente, especialmente o recolhimento compulsório dos moradores da rua, e a então política de limpeza e higienização da cidade.
-          Atenção para o fato de que muitas questões sobre violações daquele tempo estão aparecendo agora, extermínio dos indígenas, por exemplo. Mas que há muito que não se sabe até hoje – por exemplo, sobre as construções da Transamazônica, da Manaus- Boa Vista, da Ponte Rio-Niterói, entre outras, em que morreram muitos trabalhadores. E exemplo da morte de Jose Maria Filho, dirigente local, do MST, assassinado com 25 tiros.
-          A importância de lembrar que a grande vítima da ditadura militar não foram somente os mortos e desaparecidos, mas o povo brasileiro.
-          Falta de espaço no currículo escolar sobre o que aconteceu durante a ditadura.
-          O sentimento dos jovens que não tem parentesco com presos políticos ou desaparecidos, mas sentem-se incomodados e com o dever de aprender o que aconteceu.
-          A ligação da repressão durante a ditadura `a violência urbana e policial de hoje. A figura do Auto de Resistência, inventada durante a ditadura, agora falamos sobre os chamados banidos, terroristas, e a criminalização da pobreza. Existe uma ligação obvia entre as várias práticas de violência da ditadura e de hoje.  
-          Preocupação com a criação de Centros de Memória. Especialmente o DOPS no centro do Rio de Janeiro e a Casa da Morte em Petrópolis/RJ.
-          A invisibilidade da violência no interior – e a então importância de interiorizar esse debate. O Brasil é enorme, se a questão não tem visibilidade nos grandes centros, tem menos no interior. O nível de clandestinidade e conservadorismo no interior era muito forte no tempo da ditadura.
-          A importância de investigar o que fez o Judiciário durante a época e a participação dele agora. O judiciário é relevante e é um dos mais conservadores dependendo muito de uma agenda de democratização. A recusa do judiciário de dar proteção às vitimas, dar cumprimento à decisão da Corte Interamericana, a recusa a iniciativas do MP sobre essas questões,  seu posicionamento sobre a Lei de Anistia etc. O Judiciário tem que fazer parte de construção da verdade e JUSTIÇA.  Democratização do judiciário, e o papel dele durante a época devem ser esclarecidos.
-          Atenção para o fato de que as violações de direitos humanos continuam existindo.  Ex: assassinatos no campo pelo latifúndio, torturas e mortes praticadas pelas policias estuais, além de outras questões como saúde e saneamento etc nas favelas e periferias.
-          Importância da uma renovação historiográfica. Existe uma preocupação sobre os nomes dados a ruas, pontes etc. que tem nomes de torturadores e militares. E a ausência de ruas com nome de militantes da época.
-          Foi destacada a importância de criar registros e arquivos. A sociedade civil deve produzir e guardar as informações, mas também o Estado deve se responsabilizar neste processo.
-          Foi destacado que os sindicatos, conselhos, categorias são importantes para a mobilização pela memória daquela época.
-          Preocupação sobre o papel dos executivos estaduais agora, com as comissões estaduais. A pauta tem que chegar ao nível estadual. Que tipo de contribuição pode ser interessante?
-          O incômodo sobre a falta de responsabilização.
-          A já existente mobilização dos jovens através da Articulação Estadual pela Memória, Justiça e Verdade, e o Levante Nacional e Estadual.

Propostas:

  •  É necessário fazer uma comissão no âmbito do jornalismo por que a mídia e a imprensa foram muito ligadas à ditadura civil militar. Isso poderia ser feito por todos os sindicatos ou centrais sindicais.
  •  A importância de desenvolver contato direto com o grande público. No Ceará já está se desenvolvendo um trabalho para esse contato direto com o povo. Indo aos bairros, sala de aula, fábricas, etc. para colocar essas questões da CNV que não podem estar restritas a CNV.
  • Uma nova reunião dos Coletivos e Comitês da Memória, Justiça e Verdade. Como serão feitas alianças?
  •  Ampliação do debate na sociedade no sentido de aumentar a discussão política.
  •  A necessidade de se contemplar a questão do Poder Judiciário no texto que sair dessa atividade. O Judiciário deve prestar contas do que fez e deve abrir-se para transformações.
  • A necessidade de se levar a discussão e a ação dos comitês e coletivos para o interior dos Estados.
  •  A importância de ir às Câmaras Municipais para mudar os nomes.
  • Mobilização da juventude para a recuperação da memória. É preciso um projeto de promover o acesso de informação sobre a época seja facilitado para os jovens.
  • Discutir os processos de Chile e Argentina.
  • Levar o documento base e o relato aos Plenários e Assembleias da Cúpula dos Povos.











quinta-feira, 5 de julho de 2012

Arpilleras: Fonte de resistência e sobrevivência em tempos adversos



Arpilleras: Fonte de resistência e sobrevivência em tempos adversos

Por: Rosário Amaral e Vera Vital Brasil
Junho de 2012


História e emoções vívidas estiveram expressas na arte apresentada pela exposição “As Arpilleras da Resistência Chilena”, ocorrida entre os dias 29 de maio a 05 de junho deste ano de 2012, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Além da exposição de trabalhos têxteis, constava da programação três oficinas com mulheres para a elaboração de Arpilleras, e uma mesa redonda no dia 4.

A Arpillera é uma técnica têxtil que se origina numa tradição popular de bordadeiras da Isla Negra, região central do litoral do Chile. Em 1964 a artista plástica, cantora e folclorista Violeta Parra, importante difusora internacional desse trabalho, expôs uma série de Arpilleras no Pavilhão Marsan do Museu de Artes Decorativas do Palácio do Louvre.

Seguindo os passos de Parra, a curadora Roberta Basic tem percorrido vários países da Europa e Ásia divulgando o trabalho das Arpilleras. No Brasil a exposição, produzida por Clara Politi, com o apoio do Projeto “Marcas da Memória” da Comissão da Anistia, Ministério da Justiça, esteve também em Porto Alegre, Curitiba, Brasília e Belo Horizonte.

Essa técnica, como explica Roberta, é uma “forma de registrar a vida cotidiana das comunidades e de afirmar sua identidade; as oficinas de Arpilleras não somente representam a expressão dessa realidade como também se transformaram em fonte de sobrevivência em tempos adversos”. A adversidade que a curadora se refere advém, segundo ela, das condições socioeconômicas de seu país e do cerceamento à liberdade política gerado pelo golpe militar ocorrido no Chile, em 1973.

Uma luta pela Verdade e Justiça - “As Arpilleras mostravam o que realmente estava acontecendo nas suas vidas, constituindo expressões de tenacidade e força com que elas levavam adiante a luta pela verdade e pela justiça” afirmou Basic, acrescentando que as obras quebraram o silêncio dos problemas vividos pelos chilenos durante a violenta ditadura que se abateu nos anos 70. “Hoje, são testemunho vivo e presente, e uma contribuição à memória da história do Chile”, disse.


Arpilleras da Maré

Uma arpillera das mulheres do CRMM-CR 
Como parte da programação da exposição, três oficinas foram realizadas com mulheres de comunidades do Rio de Janeiro, dentre elas a constituída pelo grupo de 13 integrantes do Curso de Direitos Humanos do Centro de Referência de Mulheres da Maré Carminha Rosa (CRMM-CR UFRJ). Durante a visita guiada, Roberta Bacic descreveu os quadros da exposição, falando sobre o período de violência, morte, sofrimento e falta de liberdade em que foram bordados aqueles painéis de Arppilleras. Ouvindo com muita atenção, observando detalhadamente os trabalhos, algumas das mulheres indagavam sobre o que tinha havia ocorrido com o povo chileno durante a ditadura de Augusto Pinochet.

Após a visita, os trabalhos foram iniciados com três grupos de mulheres utilizando a técnica similar das Arppilleras chilenas, onde cada um deles produziria na tela o tema que quisessem representar a partir das conversas entre elas: a cidade do Rio de Janeiro, a escola, a comunidade, abordando assuntos de conflito ou de alegria.

Para as mulheres da Maré a atividade das oficinas, foi divertida, possibilitando compartilhamento coletivo, onde a liberdade de expressão e autonomia esteve em alta, além de ser um momento de reflexão sobre alguns aspectos da violência.

A mesa redonda Memória Verdade, Reparação e Justiça, realizada no dia 4 de junho, coordenada pela Professora Mariléa Porfírio, coordenadora do NEPP-DH, UFRJ, uma das instituições organizadoras do evento, contou com a participação de Roberta Bacic, Vera Vital Brasil e Carolina Campos Melo.

  
Arpilleras como instrumento de luta e elaboração do luto

Roberta Bacic, curadora da exposição, deu início ao debate: “As arpilleristas cujo testemunho compartilho nesta mesa redonda dando voz e diálogo à exposição “Arpilleras da Resistência Chilena” são mulheres que através de suas Arpilleras recolheram depoimentos, costuraram pedaços de memória, resistiram à ditadura e se posicionaram da plataforma de mulheres que buscavam seus homens e também suas mulheres desaparecidas. Em alguns casos faziam o luto da perda ou se negavam a fazê-lo. ...”

As mulheres que no trabalho de Arpilleras deram um sentido para o sofrimento que enfrentaram durante o regime ditatorial pinochetista, de 1973 a 1992, puderam recriar suas vidas deixando nas telas suas histórias singulares e seu testemunho do que ocorreu neste período. A exposição das Arpilleras da resistência ao percorrer vários países tem sido um instrumento para a ampliação do debate sobre as mais variadas situações de opressão do passado e do presente.

Roberta mencionou ainda a sua participação como membro comissionado de uma das Comissões da Verdade em seu país que, logo no início do regime constitucional, em 1991, instalou a chamada “Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação”, que investigou as mortes de cerca de 2500 pessoas durante o terrorismo de Estado, e que reconheceu publicamente, através do relatório Rettig, a responsabilidade do Estado nestes crimes. Sem apontar os autores, este amplo relatório foi apenas a “ponta de um iceberg”. Em 2004, a “Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura”, também chamada “ComissãoValech”, ampliou estas informações e investigou cerca de 35 mil casos de tortura.

Roberta relata, por experiência própria, que a natureza do trabalho do comissionado é difícil e complexa. Tomando como referência o que os familiares apresentaram em tribunais, abriram-se portas para situações variadas, como visitas a hospitais, escolas, registros civis, para examinar dados, checar informações nas chamadas fontes “não jurídicas”. Destacou, ainda, a importância da investigação do paradeiro de desaparecidos, bem como do uso intensivo da força repressiva durante o período ditatorial. Os relatórios finais apresentaram diretrizes, indicações para o Estado chileno. Como avanço no processo de construção de memória e reparação, medidas de integração de afetados foram adotadas, como, por exemplo, o reconhecimento na justiça de união de mulheres cujos companheiros foram desaparecidos; no campo da saúde a criação do programa de atenção, conhecido como PRAIS. 


“Somos testemunhas do nosso tempo!”

Diante da Comissão da Verdade, instalada ainda que tardiamente em nosso país, temos a expectativa de que seus resultados possam significar avanços no campo da Memória, Verdade e Justiça. Que a sociedade civil organizada possa cobrar, mais e mais, para que os resultados apontem as condições em que se deram as violações, seus responsáveis, e que o relatório final possa ajudar na elaboração de futuros processos que sejam levados à Justiça.” Foi o que afirmou a psicóloga Vera Vital Brasil, que realiza há mais de 20 anos um trabalho profissional que conjuga atividade clínica e política. Segundo ela “não há reparação aos danos causados à sociedade se não houver o esclarecimento do ocorrido, ou seja, a verdade, bem como a construção de memória e a justiça”.

A integrante do Coletivo RJ Memória Verdade e Justiça diz que “somos testemunhas do nosso tempo”.  Vera traz na sua trajetória as marcas de uma então estudante da faculdade de Farmácia da UFRJ, que teve a sua formação interrompida pela prisão no Brasil e exílio no Chile, no final da década de 60. É com propriedade que ela denuncia:O Estado tem sido agente de violações há muito tempo no país e continua cometendo violações. Praticou torturas, fez muitos mortos e desaparecidos no passado recente, e continua hoje cometendo estes crimes de lesa humanidade de forma sistemática e generalizada.”

A experiência no atendimento aos perseguidos, aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos pela ditadura militar no Brasil (1964-1985), através da equipe Clínica do Grupo Tortura Nunca Mais RJ, e hoje atuando na Equipe Clínico Política, permite-lhe afirmar que os danos provocados pela tortura e violência de Estado são irreparáveis, e “se diferenciam dos danos cometidos, por exemplo, pela violência criminal ou intra-familiar porque tem caráter político”. Segundo ela, “o Estado tem que se encarregar de proteger o cidadão; deve garantir a integridade física, os direitos e a vida do cidadão”. A psicóloga foi contundente ao falar sobre a responsabilidade do Estado que tem violado suas próprias regras: “O Estado transgride sua própria norma; ele tem que ser responsabilizado por seus delitos contribuindo assim para romper com o sentimento de impunidade de agentes públicos hoje reinante no país”.

Sobre a Comissão da Verdade, que a presidenta Dilma Rousseff instituiu recentemente para esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos ocorridos no período da ditadura entre 1964-1985, disse: “A nossa expectativa é que a Comissão da Verdade faça seu trabalho de investigação, exaustivo como deve ser, tomando como base os documentos e os testemunhos. De documentos das Forças Armadas, de instituições privadas e públicas que já estão sendo apresentadas aqui no Arquivo Nacional. Porém, lembro que a ótica que se apresenta nos documentos dos militares é a dos agentes da ditadura, não é a nossa mirada, e a nossa mirada precisa ser colocada em cena. É preciso que aqueles que vivenciaram o terror de Estado dêem seus depoimentos em livros, em filmes, como muitos têm feito, mas também participem como  testemunhas na Comissão da Verdade”.

Os dois conceitos de Anistia

Dos 70 mil requerimentos que a Comissão de Anistia recebeu até 2011, 35 mil foram de pessoas que tiveram a condição de Anistiado político decretada, sendo 15 mil delas com direito a reparação econômica.  Este balanço foi apresentado pela Conselheira da Comissão de Anistia, Carolina de Campos Melo, durante o debate.

Carolina, através de uma problematização histórica e jurídica, falou da dificuldade da idéia de Anistia no Brasil, onde estão em funcionamento duas Leis: uma de 1979, a de número 6.683, cujo sentido é o de esquecimento, porque não investiga os autores dos crimes de lesa humanidade, e a outra, que constitui a Comissão de Anistia, de número 10559, de 2002, que insiste no conceito de Anistia como liberdade, reparação. Tomando como base de análise a sua tese de doutorado “Direito a Verdade”, defendida recentemente na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, argumenta sobre os dois conceitos de Anistia no Brasil. “Temos uma Anistia como esquecimento, a da Lei de 1979, Anistia pelo menos na interpretação que foi dada pelos tribunais brasileiros, mas também temos o conceito de Anistia como liberdade. Tem a Anistia requerida naquela época, no início da redemocratização no Brasil, que redundou no retorno dos exilados ao território nacional, e a Anistia que acabou ganhando o conceito de não só Anistia com liberdade, mas Anistia como Reparação”. Chamou a atenção para a importância do momento político atual, que considera como sendo “crucial” para que seja “colocado em xeque o conceito de Anistia como esquecimento”.

Destacou, ainda, a importância da manifestação de familiares de mortos e desaparecidos, das vítimas como uma tentativa valiosa no sentido de que “o impacto do esquecimento seja quebrado de alguma maneira”. Lembrou de “uma importante ação movida em 1982, pelos familiares da Guerrilha do Araguaia. Foi no contexto dessa ação que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no final de 2010, determinou a responsabilidade do Estado brasileiro pela violação aos direitos de garantia e proteção judicial de 70 guerrilheiros e em relação à investigação dos desaparecimentos e julgamento dos responsáveis.” Lembrou ainda que esta sentença foi ditada no mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, movida pela Ordem dos Advogados do Brasil, para a revisão da interpretação ate então dominante da Lei de Anistia. Carolina foi enfática em considerar equivocada a posição da Corte Brasileira que validou a vigência da lei de Anistia de 1979, que “confere um manto protetor aos torturadores”.

Neste contexto atual em que a Comissão da Verdade inicia seus trabalhos, Carolina avalia ser um momento importante “para fazermos o uso de algumas bandeiras; uma delas é o conceito de Anistia, adquirido com a Constituição de 1988, que permite os trabalhos da Comissão de Anistia, levando a idéia de Anistia como liberdade, Anistia como reparação”, concluiu.